quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A PAIDÉIA ARISTOTÉLICA E A EDUCAÇÃO ÉTICA*


(Por Alex Sander da Silva – 03/10/2007)

Aristóteles (384-322 a.C) - filósofo grego nascido na cidade de Estagira, na Calcídica, Macedônia, distante 320 quilômetros de Atenas.
Aristóteles estabelece diferenciações na atividade interventiva da razão, o que terá um desenvolvimento na Ciência, outro prático na moral. Portadora de natureza dupla, a alma é teórica e prática, de onde a educação (paidéia) visa uma dupla finalidade: procurar construir um caráter que se refletirá em atos que tendam a promover a felicidade do Estado; e preparar a alma para a justa apreciação da vida.

Para Aristóteles a felicidade é uma atividade, cujo filósofo designa com o nome de virtude. A virtude não é uma aptidão, nem inclinação, mas, hábito adquirido. Eis a importância da paidéia. Se para Platão imitar é, freqüentemente, iludir e falsificar, para Aristóteles, ao contrário, a imitação (mimesis) é constitutiva da natureza humana, dotada de caráter ativo e criativo. Por isso, na Poética, é a forma privilegiada de aprendizado. Nas representações das tragédias nos anfiteatros, ela deve operar a catarse (katharsis): “a tragédia é a imitação de uma ação virtuosa (...) que, por meio do terror e da piedade, suscita a purificação dessas paixões” (Aristóteles, Poética, 1985). A tragédia é a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas, segundo as partes; ação apresentada, não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores, e que, suscitando a compaixão e o terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções (ARISTÓTELES: 1985, 248).

Para exemplificar podemos usar a peça Édipo Rei, de Sófocles. Nela, a peripécia acontece quando o mensageiro chega e, ao contrário de libertar Édipo de sua inquietação, faz com que ele se desespere ainda mais. No momento do reconhecimento, quando Édipo descobre que é ele o assassino de Laio e filho de Jocasta, há uma reviravolta completa na ação, até chegar à catástrofe final: o suicídio de Jocasta e a cegueira de Édipo. A peripécia, nesta peça de Sófocles, inicia-se durante um diálogo entre Jocasta e Édipo, quando este começa a se dar conta de que o homem que havia matado podia ser Laio, o rei de Tebas:

ÉDIPO: Se o viajante morto era de fato Laio,Quem é mais infeliz que eu neste momento?Que homem poderia ser mais odiadopelos augustos deuses? Estrangeiro algum, concidadão algum teria o direito de receber-me em sua casa, de falar-me;todos agora deveriam repelir-me.E o que é pior, fui eu, não foi outro qualquer,quem pronunciou as maldições contra mim mesmo (SÓFOCLES: 1988, 60-1)
SÓFOCLES. Édipo Rei. São Paulo: Abril, 1976.
É POSSÍVEL PENSAR A TRAGÉDIA COMO PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO HOJE?
Aristóteles não possui uma obra especifica sobre educação, mas, de maneira diferenciada, sua posição encontra-se diluída em diversas produções, tais como a Metafísica, Política, De anima, Ética a Nicômaco, Retórica e a Poética. É bom lembrar que não se trata de uma transposição do modelo estético que subjaz a manifestação artística das tragédias. Mas, rediscutir o papel e a relevância de alguns elementos pedagógicos da tragédia[1]. Se de fato tem sentido dizer que a tragédia serviu como modelo de educação do povo grego, é porque nela há algo que torna possível a educação.

Ao trabalhar com o horizonte de possibilidades para os destinos humanos, refletidos no mito, a tragédia propicia a educação do imaginário, que acontece na representação do enredo. Tal possibilidade acontece nos dois grandes momentos do esquema do enredo: no primeiro momento é o estagio da consciência, memorização e recordação de algo como um conceito. No segundo, acontece o plano da contemplação, parte-se daquilo que foi supostamente reproduzido e se chega à catarse.

Há uma educação do sentimento, e a catarse será compreendida como saída daquela situação em que o ser humano encontrava-se preso no processo. A educação teria a tarefa de passar o educando de um estagio de processo/olhar para um estado de atividade/ver. Isto implica dizer que em Aristóteles a educação é a mímeses da atividade humana.

A mímeses não é imitação, duplicação ou reprodução do real, pelo contrario, na Poética, a mímeses se propõe a retirar conteúdos do mito, do mesmo modo que a escultura é extraída da pedra pelo artista. O caráter de descoberta, de não dominação, faz a mimeses ser uma atividade diferenciada dos conhecimentos técnicos atuais. No mundo antigo, o artista que constrói as tragédias não restringe a sua criação ao puramente dado no mito, mas retira sentidos que podem ser independentes daquele relato. É nesse sentido que se pode dizer que a finalidade educativa pulsa no coração das tragédias, pois o poeta retira dos mitos o elemento do trágico que irá aparecer em suas criações, produzindo novos sentidos.
Neste contexto, é mister que a pedagogia moderna produza novos sentidos ao aprender, os quais possam questionar a ausência e esquecimento moderno de instancias fundamentais da vida humana, como a educação do caráter, sentimento, imaginário e até do pensamento (Trevisan, 1998, p. 129).

REFERÊNCIAS:
ARISTÓTELES.Poética . In: Os pensadores . São Paulo: Abril, 1973. ... São Paulo: Ática, 1985
MATOS, Olgária. Filosofia, a polifonia da razão: filosofia e educação. São Paulo: Editora Scipione,1997.
TREVISAN, Amarildo. A filosofia da educação no mundo das tragédias gregas: uma análise aristotélica. Santa Catarina [Trindade, caixa postal 476 – 88010-970]: Universidad Federal de Santa Catarina ,UFSC, 1998.
HERMANN, Nadja. Pluralidade e ética em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

* Texto para aula na graduação turma da Pedagogia, Disciplina Filosofia da Educaçao I, sob responsabilidade DA Profª Drª Nadja Hermann (PUCRS).
[1] Sobre esse assunto importante conferir o texto: Paidéia: A formação do homem grego de Werner Jaeger (SP, Martins Fontes, 1995).

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