quinta-feira, 20 de agosto de 2009

EDUCAÇÃO: DO AUTORITARISMO A AUTORIDADE OU VICE-VERSA?

Em tempos educacionais difíceis, faz-se necessário uma reflexão sobre autoritarismo e autoridade. Podemos dizer que os problemas educacionais atualmente estão se avolumando: baixos salários, poucos recursos materiais, formação precária etc; E, como se isso não bastasse, aparecem inúmeros outros problemas, frutos de uma profunda crise de valores sociais e morais que atingem o espaço escolar, que estão a gerar um grande descompasso entre a atuação pedagógica da escola e dos professores e a postura dos alunos.
Desrespeito, indisciplina e desinteresse pelos estudos, são alguns dos lamentos comuns que hoje os professores/as apresentam. Como enfrentar tais problemas? Alguns professores/as buscam fazer “justiça” com as próprias mãos, isto é, enfrentam com “linha dura” essas problemáticas, que não são individuais e sim coletivas. Tomam-se saídas, em nome da “autoridade”, mas que aparecem em forma sutil de “autoritarismo”.
Todavia, não queremos dizer com isso que o professor é um “vilão” e o aluno é o “santinho”, muito pelo contrário, ambos são vítimas do mesmo sistema autoritário. O sistema educacional é um prolongamento do sistema social e político de uma sociedade. Em conseqüência disso, conforme Gadotti, “não poderá estar mais ‘atrasado’ ou ‘adiantado’ do que este”(1986, p. 83). As contradições existentes na escola são as contradições existentes na própria sociedade. Nelas a própria comunidade escolar se torna vítima do sistema de desigualdade, dominação, controle social e autoritarismo mascarado de democracia.
O autoritarismo na escola vem revestido e é gerado, principalmente, pelo legalismo e pela burocracia. E nisso, o governo manda e desmanda. O calendário anual, as informações do que já foi decidido, vem tudo das instâncias superiores (inclusive o não reajuste salarial). Evita-se o máximo a participação coletiva, a organização democrática e as decisões do grupo. Nesse sentido, sem muito se dar conta, essa forma respinga na postura do professor em sala de aula, transformando-a em lugar de controle e obediência. Dos professores cabe a obediência a um sistema perverso e ao aluno o silencio “inocente”, ou a rebeldia inconsciente, rotulado como: “ele é indisciplinado”, “não tem moral”.
Com isso, o aluno perde o interesse pelos conhecimentos, decora aquilo que precisa saber e muitas vezes se rebela diante daquilo que não vem sentido com a sua vida e se queixa de atitudes autoritárias de muitos professores. Em contrapartida, os professores se vêm impotentes para resolver esses e tantos outros problemas disciplinares de alunos “mal-educados”, da falta de interesse e motivação, sem “impor disciplina”, ou “recorrer à nota”. Todavia, temos que entender o seguinte: a crise do modelo autoritário da educação não é apenas interna à educação, ela é muito mais complexa.
Perrenould (1995) vai considerar que mudar a postura autoritária significa mudar a escola e mudar a escola requer desestabilizar a prática pedagógica e o funcionamento da escola. Por isso, é de suma importância considerar o caráter democrático das ações escolares. Parece que não, mas estamos acima de qualquer sistema burocrático, na realidade somos humanos, estamos aprendendo – ensaio e erro – e dessa forma, podemos criar novas mentalidades, novas maneiras participativas e atuações significativas na escola. E, no momento, que contraditoriamente não se vislumbra uma mudança radical da sociedade tão breve, o resgate da autoridade conseqüente do espaço público é uma alternativa. Precisamos procurar demonstrar em nossas ações, novos rumos, remar contra a corrente e evitar a licenciosidade.
Os governos perdem sua legitimidade quando não usam o debate para elaborar suas propostas. É necessário começar o combate a partir de cima e é importante estarmos atentos à construção de projetos significativos na escola; movimentos de lutas pelas condições favoráveis ao trabalho docente (luta sindical); reabrir espaços de trabalhos coletivos e de troca de experiências entre os professores-alunos e comunidade escolar (p. ex. reuniões pedagógicas e administrativas);ter espaços em redes de participação coletiva (Conselho deliberativo, APP);
Como diz Hannah Arendt “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum”.
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. A crise na educação: III e IV. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 234-247.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
GADOTTI, Moacir. Educação e Compromisso. Campinas, SP: Papirus, 1986.
PERRENOULD, R. Formação em avaliação: entre idealismo ingênuo e realismo conservador. In: Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993, pp.155-170.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A Vida auto-danificada



Tenho percebido que mesmo com a crescente automação dos processos tecnológicos, com a crescente informatização, com a alta velocidade de circulação das informações, com a ampliação democrática da cultura e do conhecimento, a humanidade ainda é acometida por profundos processos de crises estruturais da organização social.A crença do ingresso da humanidade num tipo de cultura que levaria ao progresso e libertação dos sujeitos através do conhecimento científico tem demonstrado o lado implacável de uma "nova barbárie": a auto-danificação da vida.

As pessoas estão se aniquilando em processos voluntarios de auto-danificação.Segundo Márcia Tiburi (2005, p. 125) na pergunta sobre o paradeiro do sujeito, encontramos a discussão da perda da experiência existencial que se constitui na própria aniquilação da subjetividade.Também parece estar em evidencia hoje a idéia de eliminação do outro, sobretudo, através da discriminação racial, social e da exclusão.

O inteiramente outro do mundo administrado, com suas massas de homens e mulheres isolados e supérfluos, vive sem reciprocidade: nele e para ele os homens e mulheres, crianças e jovens são substituíveis e intercambiáveis como mercadorias.na contemporaneidade o sujeito inscreve-se na ideologia de uma ciência econômica regida por um circuito fechado de "fenômenos objetivos", os do mercado mundial capitalista, essa forma moderna do destino os submete. Essa aferição é produzida pelo pensamento único, pelo reino da uniformidade e da unanimidade que sacrifica a alteridade.

Poderiamos dizer que a subjetividade, na sociedade atual, não é o modo da libertação mas, pelo contrário, a forma do aprisionamento do indivíduo. Dessa forma, se não estamos atentos a essas configurações sociais, passam despercebidas as relações alienantes e ideológicas que, mecanicamente automatizam o sujeito como peça de uma engrenagem social, fechada em si mesma e como consumidor dos espetáculos barbarizados. Dessa forma, o resgate da alteridade deveria estar, potencialmente, no pa-thos de uma moral emancipadora e de resistência à barbárie.

Referência
TIBURI, Márcia. Metamorfose do conceito: ética e dialética negativa em Theodor Adorno. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

FETICHISMO E SEMIFORMAÇÃO NUMA ÉPOCA DE REIFICAÇÃO TOTAL*

O tema do fetichismo da mercadoria, oriunda do processo valorativo da produção capitalista analisado por Karl Marx, aparece nas obras de Adorno, sobretudo, no diagnóstico que faz da produção cultural da própria mercadoria. Para Adorno, assim, a análise marxiana do fetichismo e o modelo de crítica imanente específico derivado de sua teoria da produção de mercadorias são muito profícuos.
Nestes termos o autor sintetiza a crítica das relações sociais e materiais de produção, que reproduzem a condição da crítica do fetiche da indústria cultural. Todavia, para análise dos problemas relacionados à educação inscrevemos aqui apenas uma paradoxal descrição tematizável dos conceitos de fetichismo e de semiformação (Hallbildung).

Tais conceitos, para Adorno, estão intimamente ligados. Em sua Teoria da Semiformação, de 1959, o autor explicita isso no seu dizer, a semiformação é o espírito conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria (1996, p. 400). Adorno, nesse mesmo texto ("Teoria da Semiformação") (cit.), ao analisar a crise da formação cultural, compreende que o próprio colapso do conceito não é de toda responsabilidade das insuficiências do sistema e dos métodos da educação(...) (1996, p.388).

Em Adorno o paradoxo da formação cultural (Bildung) é o próprio paradoxo da educação. O testemunho das muitas retóricas nos últimos anos nos leva a crer que o diagnóstico de Adorno ainda é pertinente. Mesmo nos deparando com uma série de problemas relacionados à educação, podemos compreender que eles não estão desarticulados com as problemáticas nada circunstanciais do capitalismo avançado.
Para Adorno o mecanismo de troca abstrato, efetuado na sua equação entre as coisas que são incomensuráveis, perfilam nos produtos semiculturais. Por isso tal sistema de produção de mercadorias, influencia diretamente na produção da consciência reificada. Como sentencia Adorno:

A formação cultural agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede. Deste modo, tudo fica aprisionado nas malhas da socialização. Nada fica intocado na natureza, mas, sua rusticidade — a velha ficção — preserva a vida e se reproduz de maneira ampliada. Símbolo de uma consciência que renunciou à autodeterminação, prende-se, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Sob seu malefício gravitam como algo decomposto que se orienta à barbárie (ibidem, p.389).

Mas a função social da educação (de modo particular, a escola), só se explicita na medida em que se desenvolve a perspectiva de sua apreensão em seu duplo (um triplo ou mais), caráter, conforme a apreensão adorniana do próprio fetiche. De modo que, a semiformação "não pode ser explicada a partir de si mesma, porque constitui resultado de um processo de dominação sistemática por mecanismos das relações político-econômicas dominantes" (Schmied-Kowarzik, 1983, p. 114).
De acordo com o próprio Adorno,
O que hoje se manifesta como crise da formação cultural não é um simples objeto da pedagogia, que teria que se ocupar diretamente desse fato, mas também não pode se restringir a uma sociologia que apenas justaponha conhecimentos a respeito da formação. Os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações (Adorno 1996, 388).

A argumentação desenvolvida por Adorno neste texto possibilita levantar a problemática, da qual levantamos no inicio desse texto. O que se observa é a progressiva redução da compreensão dos impasses das políticas educacionais nos dias de hoje. Por um lado as pseudo-soluções, aparentemente desconexas, estão organicamente articuladas como peças de uma engrenagem social contaminada pelas relações de mercados capitalistas.
A vida, modelada até suas últimas ramificações pelo princípio da equivalência, se esgota na reprodução de si mesma, na reiteração do sistema, e suas exigências se descarregam sobre os indivíduos tão dura e despoticamente, que cada um deles não pode se manter firme contra elas como condutor de sua própria vida, nem incorporá-las como algo específico da condição humana (Adorno, 1996, p.399).

Para Leo Maar a semiformação seria a forma social da subjetividade determinada nos termos do capital. É meio para o capital, e simultaneamente, como expressão de uma contradição, sujeito gerador e transformador do próprio capital (Maar, 2003, p.471). Para Adorno não basta examinar formação, semiformação ou cultura, tais como se verificam na sociedade vigente. É preciso investigá-las tendo como referência o contexto de produção da sociedade, como formação social auto-gerada pelos seres humanos e aprendida em sua dialética histórica.
No clima da semiformação os momentos da formação que são reificados ao modo das mercadorias perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de sua relação viva com sujeitos vivos. Isso corresponderia à sua definição (Adorno, 1996, p. 396).
Cultura e formação precisam ser examinadas fora do âmbito estritamente cultural ou pedagógico definidos na sociedade, para serem investigadas no plano da própria produção social da sociedade em sua forma determinada (ibidem). Caberia, nesse sentido, decifrar as determinações objetivas e subjetivas no processo entre o fetichismo e a semiformação.

Conforme Maar, como indústria cultural, o que se instala como “cultural” remete a sociedade copiando a si própria, perenizando-a, ao orientar-se pela interpretação retroativa da sociedade já feita (...), portanto, “cultura” é a sociedade como ideologia (2003, p.468). A formação social determinada nesse caráter “ideológico” da cultura é semiformação (idem, p. 469).
Assim afirma Adorno,
No âmbito de uma sociedade universalmente socializada, a adaptação se torna dominante (...) o espírito se torna fetiche (...) a massa é alimentada por incontáveis canais com bens culturais antigamente reservados as camadas superiores, mas o pressuposto para a formação como experiência viva do entrementes enrijecido se torna duvidoso. Este conceito de experiência desmorona a partir dos processos de trabalho; (...) o resultado é a semiformação (Halbbildung) universal, a conversão de todos os conteúdos culturais em bens de consumo (...) que servem apenas a ocultação dos procedimentos sociais fundamentais. A semiformação é a multiplicação de elementos espirituais sem vinculação viva a sujeitos vivos, nivelados em opiniões que se adaptam aos interesses dominantes (Adorno, 1979, p.121 apud Maar, 1998, p.82).

A via de acesso ao substancial da sociedade é o processo de sua reprodução cultural vigente, em seu aparecer real, presente. Retomando Marx, podemos dizer que de fato a “verdadeira riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações reais”. Isso corresponderia o caráter duplo da própria cultura. Se por um lado, a cultura traz em si a exigência de formar seres humanos autônomos que, de uma forma ou de outra, criam e recriam sua cultura (intelectual, social, econômica), por outro, somos tencionados a nos adaptar as produções existentes. Ser autônomo, contudo, é não deixar submeter-se, mas aceitar o mundo objetivo negando-o continuamente (Pucci, 1998, p.90).


O duplo caráter da cultura nasce do antagonismo social não-conciliado que a cultura quer resolver, mas que demanda um poder, que, como simples cultura, não possui. Esse desejado equilíbrio é momentâneo, transitório. Na hipóstase do espírito, mediante a cultura, a reflexão glorifica a separação social colocada entre o trabalho do corpo e o trabalho do espírito. A antiga injustiça quer justificar-se como superioridade objetiva do princípio da dominação, o que apenas demonstra que esta ação sobre os dominados é que mantém e reitera tais relações. Mas a adaptação é, de modo imediato, o esquema da dominação progressiva. O sujeito só se torna capaz de submeter o existente por algo que se acomode à natureza, que demonstre uma autolimitação frente ao existente. Essa acomodação persiste sobre as pulsões humanas como um processo social, o que inclui o processo vital da sociedade como um todo (Adorno, 1996, p.390-391).

Nesse particular, conforme Pucci, a formação cultural seria impotente e enganosa se ignorasse sua dimensão de adaptação e não preparasse os seres humanos para a realidade (1998, p.92). Seria um duplo falseamento, se buscasse unicamente ajustar às pessoas a realidade existente sem desenvolver a desconfiança, a negatividade, a capacidade de resistência (ibidem).

REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação/trad. Wolfang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
_______________. Teoria da Semicultura. Trad. Newton Ramos de Oliveira com colaboração de Bruno Pucci e Claúdia Moura Abreu. In: Educação e Sociedade, Campinas: editora Papirus, ano VXII, dezembro, 1996.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
ANTUNES, Jadir O fetiche forma-salário. In: Souza, Elaine C. de; Craia, Eladio C. Ressonâncias filosóficas: entre o pensamento e ação. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006.
BOTTOMORE, Tom. (org.) Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
DUARTE. Cláudio. Auschwitz após educação: desdobramentos da critica ao fetichismo das relações sociais em Adorno. In: http://militante-imaginario.blogspot.com/2005_06_16_archive.html.
GOERGEN, Pedro L. A crítica da modernidade e a educação. Revista Pro-posições, vol.7, nº2(20), p.5-28, julho de 1996.
MAAR, Wolfgang Leo. À guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa. In: ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação/trad. Wolfang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
_________________. Adorno, semiformação e educação. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 83, p. 459-476, agosto 2003.
_________________. Educação, sujeição e crítica na perspectiva de Adorno. In: DALBOSCO, C. et al. Sobre filosofia e educação: subjetividade-intersubjetividade na fundamentação da práxis pedagógica. Passo Fundo: UPF, 2004.
MARX, Karl. Sociologia. Organizador. Otavio Ianni.7ªed. São Paulo: Ed. Ática, 1992.
MATOS, Olgária. Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 1994.
MORAES, Maria C. M. Recuo da teoria: dilemas na pesquisa em educação. Revista Portuguesa de Educação, ano/vol. 14, nº001, Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2001 – pp.7-25.
PUCCI, Bruno (org.) Teoria crítica e educação: a questão da formação cultural na Escola de Frankfurt. Petrópolis, RJ; Vozes; São Carlos: EDUFSCar, 1994.
SHIROMA, Eneida O.; MORAES, Maria C. M.; EVANGELISTA, Olinda. Política Educacional. Rio de Janeiro, 2ªed. DP&A, 2002.
SCHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
ZUIN, Antônio Álvaro S. Indústria cultural e educação: o novo canto da sereia. São Paulo: FAPESP e Autores Associados, 1999.
ZUIN, A.; PUCCI, B.; RAMOS-DE-OLIVEIRA. N. Educação danificada: contribuições à teoria crítica da educação. Petrópolis, RJ: Vozes; São Carlos: EDUFSCar, 1998.


*Texto parcial - texto completo apresentado no Congresso Internacional: "Teoria Crítica e Inconformismo: tradições e perspectivas" - São Carlos/SP - Setembro de 2008

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Resignificação do conceito filosófico em Nietzsche*


O conjunto da obra de Nietzsche é usualmente caracterizado como uma crítica aos fundamentos da cultura européia, sobretudo da Alemanha do século XIX. O sentido de seu esforço se traduz na recuperação da potencialidade vital que teria sido seqüestrada pelos sistemas de pensamento até então dominantes. Em especial, torna arenoso e movediço o terreno filosófico, sobre o qual repousaram os sistemas platônico, cristão e iluminista na filosofia ocidental. Promove uma revalorização e reinterpretação das origens conhecidas da tragédia grega; para tanto, resgata antigas lições dos poetas trágicos gregos.
A questão da obra de arte trágica grega terá um papel importantíssimo para a filosofia nietzschiana. Machado (2002, p. 17) sugere que o ponto de partida da reflexão de Nietzsche sobre a arte na Grécia se encontra na correlação entre uma sensibilidade exacerbada para o sofrimento e uma extraordinária sensibilidade artística que caracteriza os gregos e que se explica pela força de seus instintos. Nesse sentido, podemos dizer que a trajetória do seu pensamento se movimenta entre o apolíneo e o dionisíaco .
Conforme o que observa Machado (2002, p. 21), Nietzsche não está propriamente interessado em renovar e modificar conceitos da filosofia, seu objetivo diz respeito a “[...] libertar a palavra da universalidade do conceito, construindo um pensamento filosófico através da palavra poética [...]”. O projeto nietzschiano é fazer a escrita atingir a perfeição da música; significa, por exemplo, considerar Zaratustra um canto musical, pela musicalidade da palavra (MACHADO, 2002, p. 25).
De acordo com Pinto (1987, p. 34-35), em Nietzsche, a verdadeira sabedoria tem de passar pela redescoberta do dionisíaco. O apolíneo e o dionisíaco são conceitos estéticos e metafísicos, ilustrados, respectivamente, pelas metáforas de figura e de música, com as imagens do sonho e da embriaguez. O apolíneo e o dionisíaco são instintos estéticos. Nietzsche encontra neles os princípios metafísicos do mundo. Ele também vê a arte como fenômeno cósmico e como via de acesso à verdadeira realidade. Esses instintos lutam entre si, mas um não existe sem o outro, sendo em grande medida complementares.
A forma artística de Nietzsche se expressar parece ser adequada aos objetivos de sua filosofia: “[...] a proposta nietzschiana [...] se direciona contra a rigidez do conceito, pois o conceito sendo rígido, abstrato e genérico não dá conta da vida que é fluxo ininterrupto e constante, eterno.” (CUNHA, 2003, p. 26). Além de melhor captar a dinamicidade e fluidez da vida, essa modalidade de expressão poética contempla a ambigüidade, o complexo, não empreendendo reduções, simplificações ou limites por demais castradores.

[...] só o poético diz o devir, por captar o ritmo dinâmico do universo conciliando a ambigüidade no interior do seu sistema. No mito e na poesia, por exemplo, os contrários não são contraditórios mas, sim, complementares, perfazendo uma lógica da ambigüidade ou do paradoxo. (CUNHA, 2003, p. 26).

Halis e Cunha (2004, p. 5) afirmam que a forma de escrita sugere, de Nietzsche, a preferência em libertar o leitor de conceitos herméticos, ampliando-lhe a possibilidade de ter novas idéias a partir das suas. Talvez, a importância da obra de Nietzsche esteja nisso: não na tentativa de descobrir o sentido “verdadeiro”, único, correto ou absoluto de suas palavras, mas na turbulência, no desconforto da comodidade (gerada pelas convenções arraigadas), enfim, na ampliação do potencial de se ter continuamente novas idéias. Resgatando, ainda, as observações de Cunha, salientamos que:

[...] Nietzsche defende um outro tipo de imagem do pensamento, em que não há dualidade, cisão, transcendência, afirmando o sensível, a aparência e o jogo ilusionista da vida, [...] daí sua postura se engajar em um projeto de demolição da metafísica Ocidental. Essa vontade negativa de potência, porquanto negadora da vida em nome de um sistema abstrato, lógico, intelectual é reativa, assegurando a hegemonia do “espírito de vingança” sobre o escoamento do devir. (CUNHA, 2003, p. 32).

Isso é coerente com o assalto que Nietzsche promove aos conceitos universais e absolutos. O “ser” deve ser deslocado em nome do “tudo veio, e vem, a ser”. Nietzsche não opera com supostos fatos, mas apenas com interpretações deles, como já apontamos. Essa modalidade de abordagem envolve o chamado perspectivismo, no qual as idéias de “substância” e de “corpos” são dissolvidas, optando-se por trabalhar com “forças conceituais” – que não é um conceito rigidamente delimitado, até porque isso seria prejudicial segundo a perspectiva nietzschiana, pelas razões já mencionadas. Por isso:

[...] a trama conceitual nas obras de Nietzsche surge como efeito poético do movimento da obra, compondo um tecido extremamente complexo, por vezes paradoxal, de difícil leitura, uma vez que o autor lê e relê o seu próprio pensamento em diversos níveis, perspectivas múltiplas, apresentando caminhos e descaminhos imbricados uns nos outros, tendo o leitor que recolher aqui e ali os elementos que irão compor o conjunto da obra. Cabe ressaltar que o fato de o autor privilegiar a escrita poética não invalida a prática conceitual própria ao pensamento filosófico. Os dois movimentos perfazem um todo na obra do filósofo. (CUNHA, 2003, p. 4).

Além disso, as forças conceituais são definidas em função de suas relações umas com as outras, em razão de um “jogo do acaso” que as integra ou dispersa. No perspectivismo nietzschiano, não só o ser humano, mas cada centro de força avalia e reconstrói todo o resto do universo a partir de si mesmo. Os modelos, os formatos e dimensões do cosmos são proporcionais à própria “força”. Nesse sentido, ao conceito, uma vez que se tenha encontrado a si mesmo, é preciso saber, de tempo em tempo, perder-se e depois encontrar-se. Cunha acentua que “[...] a filosofia de Nietzsche se caracteriza por ser uma filosofia capaz de libertar a potência criativa do pensamento, subvertendo os modos de expressão filosóficos e científicos até então concebidos, trazendo para esses discursos o aforismo e o poema.” (CUNHA, 2003, p. 3).

Referências

CUNHA, Maria Helena Lisboa da. Nietzsche: espírito artístico. Londrina: Cefil, 2003.
HALIS, Denis de Castro; CUNHA, Maria Helena Lisboa da. O problema do conhecimento em Nietzsche. 30 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2007.
HERMANN, Nadja. Pluralidade e ética em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
______. Zaratustra: tragédia nietzschiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Tradução: Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
______. Gaia Ciência. In: Obras incompletas. São Paulo: Abril, 1978a.
______. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. Humano, demasiado humano. In: Obras incompletas. São Paulo: Abril, 1978b.
OLIVEIRA, Nythamar F. de. Tractatus ethico-politcus: genealogia do ethos moderno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
PINTO, Maria José Vaz. A filosofia na idade trágica dos gregos: da sabedoria dos filósofos trágicos à inversão do socratismo. In: MARQUES, António (Org.). Nietzsche: cem anos após o projecto Vontade de Poder – transmutação de todos os valores. Lisboa: Vega, 1987.

*Texto parcial do artigo: "ARTE E FILOSOFIA: PARA ALÉM DO CONCEITO EM NIETZSCHE" publicado na Revista "Visão Global" da UNOESC.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Reativando o blog

O blog ficou por um tempo desativado justamente por falta de tempo. Mas dizem que o tempo é algo virtualmente que criamos. Por isso seria mais sensato não falarmos em falta de tempo, mas em excesso de opções. E isso é uma grande característica do nosso mundo moderno (pretensiosamente querendo ser pós-moderno). Por falar em opções fico cada vez mais apavorado com as opções que parcela da humanidade tem feito. Talvez podemos até questionar se são opções ou imposições. Acredito mais na segunda opção. Quando centenas de pessoas estão morrendo por conta de opções de outras, elas perdem o sentido de autonomia. Ela simplesmente torna-se cinza.

Como pessoa, devo estar constantemente advertido com relação a este respeito, pois implica igualmente o que devo ter por mim mesmo em minhas opções. Talvez a autonomia genericamente entendida não faça sentido algum. Mas o respeito pela dignidade humana continua sendo um imperativo ético que podemos ou não conceber uns aos outros. Quando a dignidade é desrespeitada, todos sofrem. Cada um sofre, o mundo sofre, a natureza sofre. O que não se diz é que no terreno no qual a dignidade de alguns é conquistada no seu poder sobre a sociedade é o poder que os “economicamente” mais fortes exercem sobre a própria sociedade. Infelizmente a dignidade hoje é a dignidade da própria dominação de uns sobre os outros. Ela tornou-se o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma.

É preciso entender que a transgressão da dignidade jamais pode ser vista ou entendida como uma virtude, mas como ruptura com a decência. Ser digno a partir da dominação exercida sobre o outro é pura indignidade. O que quero dizer é o seguinte: se alguém seja corrupto, racista ou qualquer outra indignidade que assuma isso como uma violência contra a natureza humana e contra si mesmo. Não há justificativa plausível para explicar as imposições de uns sobre os outros. Qualquer desrespeito a dignidade humana é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais difícil que seja.