Em tempos educacionais difíceis, faz-se necessário uma reflexão sobre autoritarismo e autoridade. Podemos dizer que os problemas educacionais atualmente estão se avolumando: baixos salários, poucos recursos materiais, formação precária etc; E, como se isso não bastasse, aparecem inúmeros outros problemas, frutos de uma profunda crise de valores sociais e morais que atingem o espaço escolar, que estão a gerar um grande descompasso entre a atuação pedagógica da escola e dos professores e a postura dos alunos.
Desrespeito, indisciplina e desinteresse pelos estudos, são alguns dos lamentos comuns que hoje os professores/as apresentam. Como enfrentar tais problemas? Alguns professores/as buscam fazer “justiça” com as próprias mãos, isto é, enfrentam com “linha dura” essas problemáticas, que não são individuais e sim coletivas. Tomam-se saídas, em nome da “autoridade”, mas que aparecem em forma sutil de “autoritarismo”.
Todavia, não queremos dizer com isso que o professor é um “vilão” e o aluno é o “santinho”, muito pelo contrário, ambos são vítimas do mesmo sistema autoritário. O sistema educacional é um prolongamento do sistema social e político de uma sociedade. Em conseqüência disso, conforme Gadotti, “não poderá estar mais ‘atrasado’ ou ‘adiantado’ do que este”(1986, p. 83). As contradições existentes na escola são as contradições existentes na própria sociedade. Nelas a própria comunidade escolar se torna vítima do sistema de desigualdade, dominação, controle social e autoritarismo mascarado de democracia.
O autoritarismo na escola vem revestido e é gerado, principalmente, pelo legalismo e pela burocracia. E nisso, o governo manda e desmanda. O calendário anual, as informações do que já foi decidido, vem tudo das instâncias superiores (inclusive o não reajuste salarial). Evita-se o máximo a participação coletiva, a organização democrática e as decisões do grupo. Nesse sentido, sem muito se dar conta, essa forma respinga na postura do professor em sala de aula, transformando-a em lugar de controle e obediência. Dos professores cabe a obediência a um sistema perverso e ao aluno o silencio “inocente”, ou a rebeldia inconsciente, rotulado como: “ele é indisciplinado”, “não tem moral”.
Com isso, o aluno perde o interesse pelos conhecimentos, decora aquilo que precisa saber e muitas vezes se rebela diante daquilo que não vem sentido com a sua vida e se queixa de atitudes autoritárias de muitos professores. Em contrapartida, os professores se vêm impotentes para resolver esses e tantos outros problemas disciplinares de alunos “mal-educados”, da falta de interesse e motivação, sem “impor disciplina”, ou “recorrer à nota”. Todavia, temos que entender o seguinte: a crise do modelo autoritário da educação não é apenas interna à educação, ela é muito mais complexa.
Perrenould (1995) vai considerar que mudar a postura autoritária significa mudar a escola e mudar a escola requer desestabilizar a prática pedagógica e o funcionamento da escola. Por isso, é de suma importância considerar o caráter democrático das ações escolares. Parece que não, mas estamos acima de qualquer sistema burocrático, na realidade somos humanos, estamos aprendendo – ensaio e erro – e dessa forma, podemos criar novas mentalidades, novas maneiras participativas e atuações significativas na escola. E, no momento, que contraditoriamente não se vislumbra uma mudança radical da sociedade tão breve, o resgate da autoridade conseqüente do espaço público é uma alternativa. Precisamos procurar demonstrar em nossas ações, novos rumos, remar contra a corrente e evitar a licenciosidade.
Os governos perdem sua legitimidade quando não usam o debate para elaborar suas propostas. É necessário começar o combate a partir de cima e é importante estarmos atentos à construção de projetos significativos na escola; movimentos de lutas pelas condições favoráveis ao trabalho docente (luta sindical); reabrir espaços de trabalhos coletivos e de troca de experiências entre os professores-alunos e comunidade escolar (p. ex. reuniões pedagógicas e administrativas);ter espaços em redes de participação coletiva (Conselho deliberativo, APP);
Como diz Hannah Arendt “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum”.
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. A crise na educação: III e IV. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 234-247.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
GADOTTI, Moacir. Educação e Compromisso. Campinas, SP: Papirus, 1986.
PERRENOULD, R. Formação em avaliação: entre idealismo ingênuo e realismo conservador. In: Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993, pp.155-170.
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Um comentário:
Muito bom!!
Excelente reflexão!!
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