quinta-feira, 24 de maio de 2012

Educação e expressividade estética: possibilidades para a emancipação contemporânea

Por que aproximar a questão da expressividade estética com educação? A experiência estética possibilita o entrelaçamento entre a educação e formação cultural para a emancipação? O filósofo Adorno, ao contrário de um resignado pessimismo, não hesita em considerar que enquanto não se modificarem as condições objetivas (em minhas palavras, destruir o capitalismo) haverá sempre uma lacuna entre as pretensões formativas e suas realizações propriamente ditas. Disto resulta que a educação tenha que levar a cabo a proposta desestruturadora da totalidade social capitalista. Isso não significa superestimá-la, mas corresponde à necessidade de compreender seu papel de resistência e crítica. Em primeiro lugar, quero dizer que a experiência e a expressão estética vêm desafiar o sentido da educação para a emancipação. Desse modo, a racionalidade educativa passa a ser compreendida não somente pela razão didático-instrumental, mas, se articula com a noção de uma racionalidade estético-formativa. Assim, ao recuperarmos o sentido da expressividade estética, podemos demonstrar que o influxo da própria educação é constituído por elementos estéticos. Ora, significa indicar que a educação é também de ordem estético expressiva. Adorno, em sua Teoria estética (1992), procurou compreender o movimento de constituição e desdobramento da arte a partir de vínculos contraditórios entre diversos pólos: o indivíduo e a sociedade, a arte e a cultura de massa, forma e conteúdo, o belo artístico e o belo natural, entre outros. O conteúdo da arte mantém uma instância inalcançável para a racionalidade instrumental. Na experiência estética, a mistura de entusiasmo e reflexão, de emoção e análise racional das obras de arte pode tornar o sujeito consciente de sua condição reprimida pela razão dominadora. Pode esclarecer da limitação de sua identidade endurecida, sem ter que se anular ou dissolver-se como sujeito. Pelo contrário, por mais escapatória que seja a experiência estética, nela resplandece a possibilidade de uma expressividade do sujeito que não se apropriaria de modo imperioso do estranho e diferente, mas que encontra nele sua própria substância (ZAMORA, 2008, p. 220). Do mesmo modo como a arte potencializa os esforços para se escapar ao horror da objetificação, também seu elemento expressivo potencializa os aspectos formativos culturais da educação. Isso tem algo a ver com uma inscrição da potencialidade mimética inscrita na expressividade da obra de arte. Ao mesmo tempo se sobressai a dimensão da sensibilidade e expressividade que a razão instrumental reprimiu em si mesma. Ora, um dos principais elementos em que Adorno vislumbrava a possibilidade expressiva da arte é a estreita relação entre esta e a sociedade. Tal compreensão pode servir-nos como fio condutor para penetrar as suas complexas reflexões artístico-filosóficas e tentar solucionar as aparentes dissonâncias entre sensibilidade e conceito. No entanto, essa tarefa para a arte não é muito simples, como também não significa uma pura resignação da própria obra. Mas, demonstra uma elevada intenção de preservar-se, enquanto obra de arte, no seu caráter temporal, histórico. Desse modo, se levamos em conta as produções artísticas, percebemos um movimento de interpretação e de reinvenção da própria vida e das possibilidades de uma educação formativa. Desse modo, o desenrolar de uma educação como experiência formativa requer reconhecer o sentido da expressividade da arte. Trata-se, pois, de ter em vista que esta descrição possui uma perspectiva enriquecedora para a experiência formativa. Poder-se-ia pensar, assim, na forma com que a arte reconstitui o que foi reprimido. De acordo com Adorno: Aqui tem seu lugar a idéia da arte como reconstituição da natureza oprimida e implicada na dinâmica histórica; ela é verdadeiramente na arte um não-ente. Trata-se, para a arte, daquele outro para o qual a razão identificadora, que o reduziu a matéria, possui a palavra natureza. Este outro não é unidade e conceito, mas pluralidade [...]. Menos do que imitar a natureza, as obras de arte traduzem a sua transposição. Em última análise, deveria derrubar-se a doutrina da imitação; num sentido sublimado, a realidade deve imitar as obras de arte (ADORNO, 1992, p. 152s.). O estético converge com o formativo, no sentido de que ambos implicam uma dinâmica não-restritiva do impulso mimético. Nos termos do pensamento adorniano, da experiência autorreflexiva, no reconhecimento do impulso mimético, imanente à vida do sujeito. Essa experiência estética se registra na dificuldade de expressão do fenômeno, que advém do processo histórico da razão instrumental. Se a experiência estética é de um “estremecimento” do eu diante da natureza que clama pelo não-idêntico, a experiência formativa será, analogamente, a de uma destituição da segurança do eu, da razão dominadora. Isso equivale a introduzir na formação cultural contemporânea a perspectiva de um estremecimento constitutivo do sujeito no processo educacional, um fundamento mimético tanto da experiência estética, como da experiência formativa.
Recorte do texto apresentado no IV SENAFE-UFSM/2012

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